O Papel da Escola na Profissão
- Cecília Azevedo
- 27 de jul. de 2016
- 21 min de leitura

A revisão feita sobre as teorias de escolhas aponta que a escola não é descrita como um dos fatores preponderantes nas escolhas profissionais, sendo vista como parte de fatores sociais mais amplo, sendo um determinante que não exige um estudo específico, já que são raros os trabalhos nesta área. Para Guichard (1995, p. 112):
“…os determinantes sociais se apresentam, a maior parte das vezes, sob a forma muito geral de influência. Similarmente, o papel da escola, mencionado por todos, é relativamente secundário, exceto Gottfredson. (mas então esse papel consiste somente na determinação, por parte do indivíduo, da sua auto-imagem em termos de capacidades)…é paradoxo que os estudos precedentes não têm tratado de analisar o processo dessa “influência”.
Gottfredson (1981) é ainda mais crítica, pois afirma que os fatores sociais são assumidos na determinação das escolhas vocacionais, mas pouco estudados:
“…Muitos teóricos afirmam que antecedentes sócio econômico e inteligência são importantes preditores de aspirações vocacionais. Contudo, suas teorias ignoram amplamente ou minimizam estas variáveis…e ao invés disso concentram-se sobre o que parecem ser os mais fracos preditores das aspirações – usualmente valores e interesses de jovens e seus pais. A importância da classe social, inteligência e sexo são muitas vezes aceitas como verdadeiras; isto poderia ser aproveitado para sistematicamente expor sua importância.” (Gottfredson, 1981, p. 546 )
Vondracek e Skorikov (1997) assumem que a escola é um fator importante na determinação de interesses vocacionais, mas pouco estudado, apontam para a necessidade de clarificar a relação entre desenvolvimento de carreira e experiências escolares entre adolescentes.
Boa parte das pesquisas e artigos que tratam da questão da escolha profissional e escola estão relacionados à transição da escola para o trabalho (School-to-Work, STW). A maioria destes trabalhos (Heckhausen, 2002; Lent, Hackett, Brown, 1999) trata de concepções teóricas sobre este campo e abordam a importância das teorias de escolha e da Orientação Profissional para a transição feita da escola para o mercado de trabalho. Lent e Worthington (1999) apresentam a importância do programa Escola para o Trabalho:
“…Legisladores, políticos, reformadores escolares e empregadores corporativos têm citado a importância de implementar as pontes pelas quais estudantes se movem da educação para os locais de trabalho…O conceito tem sido expresso sobre o nível de preparação dos estudantes para ingressar na força de trabalho – especialmente sua socialização ao mundo do trabalho, sua habilidade para traduzir suas metas educacionais para os domínios ocupacionais, e sua subseqüente produtividade, confiança e flexibilidade como trabalhadores…” (Lent e Worthington, 1999, p. 291)
Estes programas de escola para o trabalho têm sido implementados e estudados principalmente nos Estados Unidos, e têm ênfase adaptacionista. Este movimento surge devido às falhas no modelo educacional americano e às mudanças no mercado de trabalho, que estariam em descompasso com a formação oferecida pelas escolas.
Há ainda outros trabalhos que descrevem um modelo de atendimento em Orientação Profissional em escolas (Uvaldo, 2002; Uvaldo e Silva, 2001; Rascovan, 2000; Uriel e Costa, 1998), baseados em teorias propostas, mas cujo objetivo não é estudar como a escola determina as escolhas vocacionais, ou projetos profissionais, como prefere Guichard (1995), mas apontar modelos de atendimento baseados em teorias já existentes.
Um novo papel para a escola
Alguns autores apontam para o novo espaço que a escola tende a ocupar, Fonseca (1994) aponta a importância da escola que ocupa um novo lugar na vida das pessoas, recebendo tarefas que antes eram da família:
“…A generalização do acesso à educação escolar e o progressivo alargamento da escolaridade constituíram fenômenos que originaram, sobretudo durante a segunda metade do século XX, um deslocamento das funções educativas da família para o espaço escolar. Esta evolução rápida, associada à melhoria do nível de formação da mão-de-obra, ao desejo de promoção inspirado às famílias pelo crescimento econômico e, sobretudo, pela necessidade de escolarização das aprendizagens profissionais, refletiu-se num recuo da influência familiar para o campo da vida privada e num aumento do peso da escola em tudo (ou quase tudo) o que diz respeito à educação para a vida pública, à aprendizagem da vida em sociedade…” (Fonseca, 1994, p. 12)
Guichard (1995, 2001) aponta a escola como o centro, um espaço diferenciado, onde os projetos profissionais são criados:
“…a organização escolar, como sistema, constitui hoje um dispositivo social que tem, em especial, como objetivo implícito a estruturação dos potenciais da pessoa. A escola, desde cedo, não é a única experiência de socialização que os jovens conhecem; mas é sim uma das principais, e o posto que agora corresponde não tem medida comum com o que já pode ter anteriormente na história da humanidade. Esta hipótese…se baseia na constatação da prolongação do período de escolarização tanto dos bons quanto dos maus alunos, e na da extrema diversificação atual dos ramos de formação…” (Guichard, 1995, p. 25)
A necessidade de novos estudos sobre as questões vocacionais e a escola impõe-se nesta nova realidade.
Crites (1974) aponta a escola como o agente mais importante de socialização e “vocacionalização” após a família. Para Miller e Form (apud Crites, 1974), a escola transmite ao indivíduo um sistema de valores que influem em sua eleição vocacional.
Ginzberg (1976) em sua teoria desenvolvimentista aponta um papel secundário para a escola na definição do seu modelo de desenvolvimento vocacional, contudo para Guichard (1995), Ginzberg desenvolve um modelo onde está implícita a importância da escola, pois as fases apresentadas dependeriam da passagem de ciclos educacionais.
Para Ginzberg (1976) o desenvolvimento vocacional teria 3 fases: “fantasia”, “tentativa” e “realista”. Estas fases são divididas em outras sub-fases.
Fantasia (até os 11 anos): os primeiros contatos com as profissões ocorre via adultos significativos e as carreiras mencionadas neste período coincidem com as pessoas admiradas e valorizadas.
Tentativa (11 aos 17): dividido em quatro sub-fases: interesse, capacidade, valor e transição.
Interesse: definido pelo que o adolescente gosta ou se interessa neste período.
Capacidade: a escolha passa a ser baseada naquilo que se sabe fazer, neste momento a escola é fundamental, pois ao atribuir notas ou conceitos a determinadas áreas, a ter reconhecimento dos professores, os alunos vão se reconhecendo melhores em uma área que em outra. No estágio capacidade “…a escola, com sua ênfase nas notas, ajuda o indivíduo a conhecer suas capacidades e fraquezas. As limitações em relação ao sistema de notas, entretanto, são muitas; para mencionar apenas uma, os jovens concordam que há pelo menos dois fatores relevantes que controlam o rendimento: talento e esforço.” (Ginzberg 1976, p. 4)
Valor: nesta fase os jovens procuram articular os interesses e capacidades a partir de seus valores, passam a ter contato com escolhas mais realistas e uma visão mais próxima das profissões.
Transição: fim da adolescência e crescente conhecimento da realidade. Há uma citação de Ginzberg interessante para se perceber como ele pensava a questão da escolha e como alguns estigmas estão presentes em sua teoria: “…Neste período as meninas que entrevistamos pareciam ter ajustado seu esquema de valores a fim de incorporar os papéis de futura esposa e mãe. Enquanto que até este ponto sua abordagem da escolha ocupacional era semelhante à dos meninos, no estágio de transição estavam mais orientadas para o casamento do que para o trabalho…” (Ginzberg, 1976, p. 5)
Realidade (17 aos 21 anos) este é o período que para Ginzberg corresponde ao ingresso no mundo profissional, que é abertamente mencionado como o ingresso na universidade.
Exploração: é o início da vida universitária, a pessoa explora as possibilidades dentro do ambiente de ensino superior, Ginzberg postula que haja este período também para “pessoas menos favorecidas”. Ocorre o teste dos valores, interesses e capacidades.
Cristalização: Os sujeitos já definiram um foco vocacional, embora alguns detalhes ainda estejam em aberto.
Especificação: envolve especialização e planejamento dentro da área de escolha
Para Guichard (1995), o papel da escola na teoria de Ginzberg é secundário, não sendo assumido diretamente, embora esteja implícito, a todo o momento, que, na verdade, esses períodos, etapas existem em função da organização do sistema escolar, esses estágios seriam construídos pela experiência na escola pelas quais os jovens passam. Guichard (1995) é muito duro em uma crítica à teoria de Ginzberg:
“…O caso é que estão resolvidos a apresentar a determinação progressiva da opção profissional como deveria ter lugar idealmente, sem nenhum empecilho (segundo seu modo de ver: pertencer ao sexo feminino, ser de um meio modesto, ter pais divorciados, um baixo quociente intelectual, maus resultados escolares, etc…). aqui não insistiremos no sociocentrismo que marca esta problemática. Mas trataremos de tomar este testemunho como o que é; ou seja: a formação de intenções profissionais desses indivíduos privilegiados neste sistema escolar.” (p. 77)
Alguns artigos trazem a influência da escola sobre a determinação das escolhas na relação do professor com o aluno. Paa e Mcwhiter (2000) realizaram um estudo com 464 estudantes de ensino superior norte-americano cuja proposta foi avaliar as influências percebidas sobre a escolha destes alunos e suas expectativas de carreira, concluindo que há uma série de fatores internos e externos que determinam as expectativas sobre a carreira e escolha profissional. As autoras alertam para o fato de que as pessoas próximas são consideradas relevantes para a escolha vocacional. Uma das influências percebidas é o papel da mãe, especificamente no desenvolvimento das carreiras das meninas, além disso, as meninas estariam abertas às influências de outras figuras femininas:
Deve-se considerar ainda a determinação que os professores exercem sobre as escolhas e dos projetos profissionais de seus alunos. Paa e Mcwhiter (2000) afirmam que a influência para homens e mulheres é basicamente a mesma, com o destaque para o papel das professoras, amigas e mãe para as mulheres.
“…Os resultados para o tipo de influências medida propiciam informações que dizem como os participantes se percebem influenciados por importantes pessoas em seu ambiente. As garotas reportam-se consistentemente mais influências positivas de parentes, amigas e professoras do mesmo sexo. Os resultados para os garotos são menos consistentes. Contudo os garotos percebem influências positivas de seus pais (progenitores masculinos), eles reportam igual e ocasionalmente altas porcentagens de influência positivas de suas mães. Um resultado similar emergiu para a influência de amigos e professores.” (Paa e Mcwhiter, 2000, p. 40).
Vondracek e Skorikov (1997) realizaram um estudo sobre as preferências de atividades no lazer, escola, trabalho e a influência no desenvolvimento da identidade vocacional. O estudo foi realizado com 660 alunos da 7a à 12a séries, que corresponderia ao final do ensino fundamental e o ensino médio no Brasil.
A questão da pesquisa de Vondracek e Skorikov (1997) era se as experiências de lazer e escolares tinham algum papel na construção do auto-conceito do adolescente, tal como definido por Super (1976).
Para estes autores as atividades de lazer e escolares seriam fundamentais para a assunção a uma identidade vocacional. Os autores dão especial ênfase para a escola:
“…Obviamente, atividades escolares constituem o maior e mais importante aspecto durante a adolescência. Portanto, parece razoável assumir que o desenvolvimento vocacional adolescente é fortemente influenciado pela experiência escolar…” (Vondracek e Skorikov, 1997, p. 324).
Vondracek e Skorikov (1997) encontraram em seu estudo relação entre os fatores estudados e a escolha vocacional:
“…Nossos achados sugerem que interesses de escola, trabalho e lazer de estudantes universitários estão fortemente relacionados e, mais provavelmente, todos representam determinação nos interesses gerais dos adolescentes…Nossas informações provêm evidência para suportar a dominação do papel da experiência escolar na formação dos interesses e identidade vocacional dos adolescentes… como exposto, as preferências escolares são mais fortes que as preferências do trabalho e lazer, o que confirma a hipótese do domínio do contexto escolar…” (Vondracek e Skorikov, 1997, p. 335).
Vondracek e Skorikov (1997) apresentam ainda uma importante informação, que é a preocupação de que as experiências escolares levem a visões distorcidas do mundo do trabalho, ao contrário das experiências de trabalho.
Fonseca (1994) preocupa-se em estudar no contexto educacional, as propostas de diretrizes educacionais portuguesas e a possibilidade de desenvolvimento de projetos profissionais. O autor indica que a escola exerce uma papel determinante na constituição do sujeito:
“…Primeiro durante a infância, pela formação básica da pessoa, visando a sua construção como ser humano histórico, proporcionado-lhe os instrumentos operatórios mínimos para apropriar e representar, a si mesmo e à realidade natural e social que o cerca, no quadro de normas, valores e representações da respectiva condição de classe, sexo, etc. Depois essencialmente no período da juventude, pela formação específica do ator social, promovendo a construção das condições e competências necessárias ao desempenho dos (futuros) papéis da condição adulta. Se é certo que múltiplos contextos contribuem para a ocorrência de uma progressão desenvolvimental ao longo do ciclo de vida – processo nunca acabado –, a instituição escolar assume, entre todas as instituições sociais, um lugar de destaque para essa formação básica e específica. A escola representa, justamente, um contexto social específico, sistemático e organizado, em que determinadas ações e atividades são postas deliberadamente em prática para influenciar o desenvolvimento dos sujeitos, de acordo com valores e objetivos mais ou menos explícitos. Esta influência exerce-se tanto através dos objetivos formais e das atividades intencionais, como através do ambiente físico e material e da interação entre educadores, alunos e funcionários…” (Fonseca, 1994, p. 43).
A escola é, portanto, um espaço privilegiado para a construção da identidade dos sujeitos que dela participam, e um dos aspectos centrais do desenvolvimento desta identidade refere-se à construção do que Fonseca (1994) chama de projetos profissionais, que surgem em oposição à escolha que antes era realizada dentro do ambiente familiar:
“…só faz sentido falar na construção de projetos individuais a partir do momento em que se verifica a transferência da atividade produtiva para o exterior da esfera doméstica e a família se vê desapropriada de um direito secular: a escolha da carreira e da profissão dos filhos…Se, até a Revolução Industrial, o ofício era aprendido junto dos pais ou de vizinhos e a própria aprendizagem era concebida como uma relação familiar o trabalho assalariado e a socialização crescente da função educativa retira aos pais grande parte do controle que exerciam e leva-os a admitir que cabe aos filhos escolher o seu futuro e definir o tipo de vida (profissional e extraprofissional) que desejam para si memos…” (Fonseca, 1994, p. 54)
Para Fonseca (1994) a noção de projetos profissionais vai além da escolha pontual, o que parece ser uma definição muito precisa, principalmente por estarmos atravessando um momento onde as profissões e ocupações devem ser “organizadas” pelo sujeito que escolhe, há uma grande confusão entre as ocupações. As profissões, que antes tinham uma membrana clara e definida expressas através de papéis ocupacionais arrolados socialmente (Bohoslavsky, 1981), hoje não a possuem mais. Ao contrário de um período, até os anos 70 e 80, em que o sujeito se inseria em uma profissão, ou curso de formação, e tinha uma idéia clara e precisa de onde iria trabalhar, suas especializações possíveis, e seu progresso na carreira, hoje as pessoas escolhem uma profissão sem saber ao certo o que esperar daqui a um par de anos. Antes as pessoas escolhiam uma profissão e o projeto já estava incluído na própria definição da carreira, atualmente não, daí a necessidade de criação de projetos profissionais. Fonseca (1994) contrapõe a noção de projeto ao conceito de escolha:
“…Clarifiquemos, desde já, que o objetivo de qualquer intervenção no sentido de facilitar a transição para a vida adulta através da construção de projetos não se reduz à simples realização de escolhas. Trata-se, efetivamente, de conceitos distintos, dado que a noção de projeto integra e ultrapassa a noção de escolha, a qual pode fazer-se de uma forma espontânea e não raro irrefletida, suscitada por um ambiente externo (pais, colegas, professores…) que muitas vezes jogam aí um papel predominante. Por seu turno, no sentido que aqui lhe é dado, um projeto corresponde a uma apropriação, em que, a partir de uma confrontação eu-exterior, a pessoa seleciona determinados objetivos que se lhe apresentam como preferíveis relativamente a outros…” (Fonseca, 1994, p. 55)
Guichard (1995, 2001) utiliza-se de um conceito aproximado de projeto profissional, opondo-se à noção de escolha pontual, marcando que as escolhas compõem um projeto, mas o projeto não se limita à escolha.
Fonseca (1994), porém aponta para a dificuldade na criação de projetos profissionais, devido à complexidade dos problemas apresentados pela sociedade contemporânea e às barreiras sociais impostas aos sujeitos que se propõe à tarefa e alerta para um risco presente para os jovens:
“…Acrescentemos, por fim, que esta ausência de competências de análise e de resolução de problemas que se prendem com a sua própria vida pode ser aproveitada por forças exteriores ao jovem, nomeadamente pelos pais e pelos professores, que falarão e decidirão em seu nome. A autoridade exterior torna-se uma fonte de segurança quando a pessoa não se sente capaz, por ela mesma, de assumir uma decisão, mas traz consigo inevitáveis conseqüências em termos de perda de autonomia e de controle da própria vida…” (Fonseca, 1994, p. 65).
Além de apontar os riscos para os alunos que desenvolvem seus projetos profissionais, Fonseca (1994) aponta o papel da escola, que deve favorecer escolhas autônomas, não reforçando estereótipos ou replicando valores particulares. Para Freire (1990) a escola contribui na criação de estereótipos profissionais, principalmente no que se refere ao gênero:
“…a escola teria uma função relevante na reprodução de papéis sexuais tradicionais e na subalternização da mulher. Esta importância seria veiculada numa quota parte importante que pelos modelos simbólicos de papéis sexuais, através dos matérias escolares e do mass-media, quer pelo currículo escondido, referido anteriormente, traduzível pelas atitudes dos professores…” (Freire, 1990, p. 50).
Portanto, para Freire (1990) a escola tem um forte papel na reprodução de valores sociais e estereótipos, principalmente na questão de gênero e profissão. Aponta que estas questões devem ser levadas em consideração pela escola, não restringindo os projetos profissionais de seus alunos à reprodução de valores instituídos socialmente.
Para Guichard (1995, 2001), o cenário da construção das representações de futuros dos jovens é a instituição educacional. A outra autora que Guichard (1995) cita como relevante neste campo é Linda Gottfredson (1981, 1985). Para Guichard (1995):
“No modelo publicado em 1981 por Linda Gottfredson, a escola ocupa, em diante, um posto específico na determinação dos projetos de futuro dos jovens. Constitui aquilo que permite ao adolescente circunscrever sua escolha, levando-o a determinar o limite do que é lícito esperar…” (Guichard, 1995, p. 80)
Os oito conceitos mais importantes na teoria de Gottfredson:
- o auto-conceito: a representação do que se é, do que não se é e também do que se desejaria ser ou não ser”;
as : as imagens estereotipadas relativas às profissões. Trata-se de generalizações referidas à personalidade de quem a exerce, ao que fazem, à vida que levam, às vantagens e inconvenientes do emprego. Estas representações são umas mais e outras menos claras, precisas e exatas;
o : como objetivo de comparar as profissões umas com as outras, as representações que os indivíduos fazem delas vão integrar-se em uma área unificada, em torno de algumas dimensões simples. O mapa cognitivo é essa integração da diversidade das representações em um conjunto simples e estruturado;
as : trata-se de juízos de compatibilidade entre, de uma parte, as profissões e, por outra, as representações que cada qual forma a respeito de como desejaria ser e aos esforços que está disposto a fazer para consegui-lo;
a : baseia-se na consideração, por parte do indivíduo, de elementos realistas. Trata-se dos juízos que emite sobre o que obstaculiza ou favorece a realização de seus projetos profissionais em seu entorno social e econômico;
as : resultam da combinação subjetiva das preferências e da acessibilidade percebida. São, pois, preferências profissionais que tomam em consideração elementos de realidade. Se o posto destes elementos é fundamenta, as alternativas serão denominadas realistas; em caso contrário, idealistas;
o , ou zona das alternativas aceitáveis; são as profissões que a pessoa considera suas melhores alternativas: as que traduzem seu modo de ver o posto que lhe convém na sociedade;
a ; é a profissão que, em um momento dado, o indivíduo considera sua melhor alternativa.
Para Gottfredson (1981) o auto-conceito é central para compreensão do desenvolvimento dos projetos profissionais, sendo que alguns aspectos são fundamentais para se entender a construção das escolhas: gênero, classe social, inteligência, interesses vocacionais, competências e valores.
Gottfredson (1981) sugere um modelo de desenvolvimento cognitivo do auto-conceito, que seria composto por quatro fases:
orientação para o tamanho e poder (dos 3 aos 5 anos); neste período não há discriminação de papéis masculinos ou femininos, fundamental na teoria de Gottfredson (1981), mas há uma admiração pelo mundo adulto, que representa força, poder e controle;
orientação para as regras sexuais (aproximadamente dos 6 aos 8 anos); neste período há uma divisão entre os papéis sociais masculinos e femininos e as profissões são atribuídas a um dos gêneros;
orientação para valoração social (aproximadamente dos 9 aos 13 anos); os jovens neste período tomam contato com os valores sociais centrais e entra em jogo uma classificação hierárquica das profissões, ainda há a hierarquia das classes sociais e prestígio e o jovem define qual lugar social pode aspirar a ocupar. Há definição também do prestígio das profissões;
orientação interna, self único (a partir dos 14 anos); este é o período da crise de identidade do adolescente, define quais papéis sociais são aceitos por seus pais e amigos, neste momento a pessoa começa a aproximar-se das preferências profissionais mais estáveis e caminha para síntese e integração dos interesses de acordo com um plano de vida.
Para esta autora existe um mapa cognitivo comum das profissões que é organizado em função do grau de prestígio da profissão e em função das profissões serem socialmente classificadas como masculinas ou femininas. Estes seriam os dois fatores centrais para a definição de projetos profissionais. Para Gottfredson (1981), portanto, as pessoas definiriam suas escolhas considerando a relação entre prestígio e o grau de masculinidade/feminilidade atribuído às profissões. Conforme sua origem social, grupo étnico, sexo poderia procurar uma profissão com maior ou menor prestígio e também variando no gráfico com relação à masculinidade/feminilidade, mas o central é que o sujeito ocupa um determinado espaço dentro deste mapa, o qual não pode ser transcendido.
As representações profissionais possíveis são aquelas que relacionam o sujeito, o auto-conceito, e o lugar que lhe é permitido ocupar dentro do mapa cognitivo comum das profissões.
Guichard (1995) levanta algumas críticas à teoria de Gottfredson, ao mesmo tempo que a elogia, quando afirma que para a autora:
“..a insistência no papel que desempenha a estrutura social na constituição da representação mental das profissões, e também na determinação por parte do indivíduo de seus projetos de futuro, é um inegável aporte de Gottfredson. O limite de seu enfoque está em conceber esse papel somente segundo o modelo do reflexo ou da influência…” (Guichard, 1995, p. 94)
Guichard (1995) também crítica a falta de definição de Gottfredson sobre as diferenças de grau de masculinidade ou feminilidade nas profissões possíveis para garotos/garotas. Guichard (1995) aponta também para o fato de que um dos limitadores da aspiração profissional dos adolescentes na teoria de Gottfredson é a experiência na escola, que diria a qual nível o sujeito pode ascender. O êxito escolar seria um demarcador de águas, que determina quem ascende a um nível educacional/ocupacional superior e quem está restrito a um outro nível. Ainda segundo Guichard (1995) o desempenho escolar é central no desenvolvimento do auto-conceito, daí a limitação as possibilidades de ascensão estarem marcadas no sujeito.
Outra crítica ao modelo de Gottfredson diz respeito à forma como a limitação das aspirações profissionais é constituída, para o autor a escola é fundamental na limitação das aspirações:
“…supondo que a experiência escolar induz os alunos (ao menos aqueles que passam por ela durante um tempo notável) a gerar umas retículas de leitura da realidade social, umas retículas que levam a marca da instituição escolar e suas categorias. As profissões e suas hierarquias, de ser assim, contemplam-se sob a luz da categoria das capacidades intelectuais que parecem que exigem. Por exemplo, o que um jovem aprende na escola é, entre outras coisas, que a hierarquia social das posições e o prestígio das profissões se correspondem com uma hierarquia das capacidades intelectuais…” (Guichard, 1995, p. 101).
Gottfredson (1981) ainda apresenta em sua teoria o princípio do compromisso, que é o momento em que o sujeito, após a passagens pelas fases do desenvolvimento, situar-se no mapa cognitivo comum, põe em prática suas intenções e estabelece o compromisso com sua escolha. Para realizar o compromisso com sua escolha a pessoa deve investigar sua acessibilidade:
“…Uma ocupação pode ser compatível com um auto-conceito, e ainda ser inacessível. Acessibilidade refere-se aos obstáculos ou oportunidades no contexto social ou econômico que afeta as chances de ingressar em uma particular ocupação…” (Gottfredson, 1981, p. 548).
Gottfredson (1981) insiste na importância do compromisso pois este é na verdade o que pode indicar a possibilidade de uma pessoa alcançar sucesso em uma carreira, coincidindo as imagens do auto-conceito e as oportunidades profissionais que se abrem. É um compromisso entre o sujeito e o mundo real. Há três princípios que governam o compromisso: alguns aspectos do auto-conceito são mais centrais que outro a terão prioridade quando do compromisso das metas ocupacionais; exploração das opções de trabalho termina com a implementação de uma escolha satisfatória, não sendo necessariamente a escolha ótima; as pessoas acomodam-se psicologicamente com o compromisso que fazem.
Guichard (1995) termina por fazer uma crítica e tecer alguns elogios aos trabalho de Gottfredson. Para Guichard o mapa cognitivo comum das profissões, que é generalizado pelo menos a um determinado grupo social, é um engano:
“…Parece difícil admitir a hipótese da existência de uma mapa cognitivo comum das profissões. Pode postular-se, ao contrário, que os indivíduos elaboram, em função de sua situação, mapa cognitivos diferentes que, por sua mesma elaboração, evita-lhes colocar o problema da limitação da área que lhes convém. O modelo não seria aí o do mapa geográfico, mas sim Carta da Ternura, quero dizer, um mapa traçado de tal modo que indique espontaneamente a seu feliz elaborador os território do dito e desdito…” (Guichard, 1995, p. 107)
Para Guichard (1995) Gottfredson tem o mérito de colocar a escola com importante papel na construção dos projetos de futuro dos jovens. Guichard (1995), sugere ainda que a escola tem um papel central na definição dos mapas cognitivos das profissões nos jovens. Para o autor seria no campo escolar que são atribuídos os papéis de gênero das profissões e onde se determina o grau de prestígio das ocupações.
Organização escolar e estruturação das representações de futuro
Guichard (1995) argumenta que a experiência escolar é fundamental para a construção das representações de futuro dos jovens e na criação de seus projetos profissionais. Para falar sobre a determinação da escola nos projetos profissionais Guichard (1995) constrói três hipóteses. A primeira delas:
“.. A hipótese mais geral se baseia no postulado de que a escolarização se orienta a gerar um determinado habitus. Esse habitus constitui uma certa integração de um conjunto de esquemas dos que formam parte representações do eu, das formações e das profissões. Dito de outro modo: pode ser que a experiência escolar estimule a gênesis de sistemas de características pertinentes (traços) para categorizar as informações relativas a esses âmbitos, com o qual o jovem se vê levado a formar m determinado tipo de intenções sobre seu futuro; essas intenções podem tomar a forma de uma completa ausência de perspectiva temporal e de projetos…” (Guichard, 1995, p. 143)
Para Guichard a escola é central na formação de um habitus que leva o sujeito a representar-se, construir uma representação pessoal, a partir da relação com a instituição escolar, que daria ao sujeito um lugar no mundo. Guichard porém alerta que embora a escola tenha uma papel de destaque não é a única instituição na qual o sujeito se insere e que gerará representações sobre si próprio. Ainda para Guichard a escola tem um papel de agente socializador crucial na constituição do sujeito:
“…a organização escolar mostra-se como um dispositivo maciço de socialização que conduz o aluno, o estudante, a construir representações (do eu e das profissões) estruturadas de um modo determinado, dada, precisamente, a particularidade de sua experiência escolar em um posto determinado de um sistema escolar, a sua vez estruturado deste modo, a estrutura da qual o jovem representa de um modo particularmente vivo…A passagem do jovem, durante longo tempo, por um ou vários ramos de estudo que pertencem a um conjunto de formações muito diversificadas, mas que estão organizadas em um sistema, tenderá por conseqüência a tender a levar a formar-se uma imagem do eu cuja organização de traços irá marcada por uma estrutura escolar como tal…” (Guichard, 1995, p. 143)
O jovem, portanto, levaria marcado em seus traços de personalidade, em suas escolhas, na forma como se representa, como enxerga as profissões, as determinações de sua experiência escolar. O jovem seria a estrutura da organização escolar viva, como sugere Guichard
Guichard (1995) aponta que existem duas formas básicas de experiência escolar: a exclusão precoce (que para Guichard acontece após um período mínimo de 13 anos de escolarização, citando como exemplo a situação francesa), e a continuação em um ramo de estudos que leve a um diploma.
É sobre esses dois grupos que Guichard (1995) dedica outras duas hipóteses, ambas levando em consideração a determinação da experiência escolar sobre as representações de eu, das profissões e de futuro.
Exclusão e fracasso escolar
A escola possui um papel predominante no grupo que, segundo Guichard (1995), é excluído da escola, em geral associado são pessoas ligadas às classes operárias, onde os pais possuem pouca escolaridade e que a possibilidade de ascensão social via educação é remota.
Há neste grupo grande desvalorização do aprendizado escolar, que está associado a um conhecimento pouco prático, que não oferece ferramentas para o quotidiano, enquanto as situações de trabalho são as que agregam significados. Para este grupo Guichard (1995) acredita que:
“…A infância é, fundamentalmente, o tempo da escola. O dos jogos e das diversões…Ser adulto é ter um trabalho. É ser sério, ter responsabilidades e pressões…Com a escola só se associam características negativas: infância, dependência, ausência de salário. Ademais, concebe-se dispensando tão só uma formação não válida, artificial, teórica, que não tem mais que uma utilidade diferida. Ao contrário, o trabalho aporta uma formação verdadeira, real, prática, com uma utilidade imediata…” (p. 159)
No caso deste grupo Guichard (1995) levanta a dificuldade de criar projetos de futuro, sendo que as pessoas ficam presas ao presente, o sujeito precisa dar conta de resolver o imediato, afinal o prato de comida deve ser ganho.
Uma outra característica deste grupo é a falta de qualificação, as pessoas não se reconhecem como sendo portadoras de competências, as pessoas tendem a se representar como destituídas de traços importantes e relevantes.
Esta falta de competências é descrita por um outro autor, Sennett (1999), que aponta, em um estudo realizado com trabalhadores de baixa qualificação, a sensação de quem trabalha em profissões onde se exige baixa qualificação é de desprovimento de qualidades que possam ser minimamente valorizadas, o que provoca a falta de identidade com um grupo profissional. Esses são os verdadeiros profissionais flexíveis, não os que possuem diversas qualificações, mas os que não têm nenhuma, e a escola, aponta Guichard (1995), é o local onde este sujeito é forjado.
Guichard (1995) acrescenta que as representações das profissões são empobrecidas, há falta de informações concretas e de capacidade para o sujeito conseguir representar-se nas ocupações:
“…Ocorre como se, de um modo geral, aqueles que têm sofrido um fracasso escolar não podem conceber-se como sujeitos providos de capacidades, como o que se revelam incapazes de representar as profissões como tais. Então, não se percebem como portadores de uma identidade profissional, como possuidores de um capital em saberes e saber fazer. Não estabelecem uma vinculação entre as qualidades e as competências da pessoa e o exercício de uma função profissional…” (Guichard, 1995, p. 180).
Qualificação e ascensão educacional
Guichard (1995) indica que para o grupo que, ao contrário dos que foram excluídos do processo educacional, prosseguem no sistema escolar e tornam-se diplomados, a forma de representar a educação, trabalho e o futuro são distintas dos excluídos. Um dos fatores primordiais que estão em jogo para este grupo é a hierarquia das profissões. Há ocupações que são socialmente mais valorizadas, que possibilita ao sujeito ascender a determinado grupo social e, segundo Guichard, as qualidades individuais abrem ao sujeito as possibilidades de inserção no processo de educação e trabalho:
“…A regra do jogo que funciona nessa organização está claramente estabelecida: a excelência…O melhor aluno…obtém o que deseja. E o que deseja é, evidentemente, o que se corresponde com a norma social: o ingresso em um ramo de estudos mais valorizado…Essa regrada excelência não é uma lei geral. Está determinada do modo preciso. Inscreve-se em uma hierarquia de disciplinas. Nem todas valem o mesmo… (Guichard, 1995, p. 208).
Para Guichard (1995) os alunos incluídos no processo educacional tendem a se ver como portadores de determinadas competências e características e a escola é um forte determinante sobre quais são as características importantes para o sujeito e que comporão seu projeto profissional e suas representações de futuro:
“…o sujeito apresenta uma visão de si como competente, mas essa competência é antes de tudo uma competência escolar: desenhada (quer dizer, produzida e avaliada) pela escola…” (Guichard, 1995, p. 216).
Guichard (1995) atenta ainda para o fato de que a construção do sujeito não se dá apenas na escola, mas que este é um local importante onde as características do sujeito são desenhadas, junto de outros espaços sociais e levando em consideração motivações subjetivas.
Um exemplo citado por Guichard é de uma pessoa que tem interesse em literatura mas que estuda em uma escola de engenharia. Certamente os professores, alunos e a instituição, de uma forma global, valorizarão primordialmente as características importantes na formação de um engenheiro, preocupando-se com os aspectos técnicos, deixando para os escritores e professores a literatura, que não é algo importante para um engenheiro.
Guichard é um dos autores que mais se aproxima da proposta de abordagem deste trabalho, embora ele proponha uma simplificação na divisão de pessoas entre excluídas e incluídas no sistema educacional. Acreditamos que haja um gradiente maior de experiências educacionais, variando em função de expectativas, valores e atitudes das instituições. Não nos parece que esta hipótese seja incompatível com o que afirma Guichard, mas um prolongamento possível daquilo que discute em seus estudos sobre o papel da escola na formação de projetos profissionais.







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